Se estás a ler este artigo, muito provavelmente já sabes que a proteína é um macronutriente essencial para a construção de novos tecidos, incluindo o tecido muscular. Sem um consumo diário adequado de proteína, o corpo não conseguirá sustentar o desenvolvimento muscular, o que significa que não conseguirás tirar o máximo partido dos teus treinos.
Mas, afinal, quanta proteína se deve consumir diariamente de forma a promover o crescimento muscular? A quantidade é diferente de acordo com o tipo de desporto praticado ou os objetivos de cada pessoa? O que dizem os estudos científicos?
Se preferires, podes também assistir ao vídeo em que falo sobre este assunto:
Qual a quantidade diária de proteína necessária?
Em 2017, a Sociedade Internacional de Nutrição Esportiva atualizou as suas recomendações relativamente à ingestão de proteínas para indivíduos saudáveis que pratiquem exercício físico (1). Estas recomendações foram novamente revistas em 2018 (2). Estas recomendações têm por base as dezenas de estudos científicos publicados até à data relativamente a esta questão e, portanto, é o mais parecido com consenso científico que se pode ter.
Nesta publicação, a instituição lista 10 pontos principais a ter em conta quando o assunto é proteína e exercício físico. Eu chamo-lhe os 10 mandamentos para o consumo de proteína:
1) O estímulo provocado pelo exercício físico, particularmente exercícios de resistência, e a ingestão de proteínas estimula a síntese proteica muscular e é potenciado com o consumo de proteína antes ou após o treino de resistência.
2) Para construir e manter massa muscular, uma ingestão diária total de 1,4 a 2,0 gr de proteína por quilo de peso corporal é suficiente para a maioria dos indivíduos que se exercitam.
Normalmente, recomenda-se que os atletas de força e potência (por exemplo, musculação, powerlifting, treino intervalado de alta intensidade, etc) devem situar o seu consumo proteico mais próximo do limite superior. Já os atletas de endurance ou de atividades maioritariamente aeróbicas (como o futebol, basquetebol, corredores, ciclismo, remo, etc) normalmente situam o seu consumo proteico no limite inferior.
É importante notar que existem outros factores que podem afetar as necessidades proteicas de cada pessoa, como a idade, a experiência de treino e a intensidade e frequência dos treinos.
3) Uma maior ingestão diária de proteínas (2,3 a 3,1 gr/kg de massa isenta de gordura) pode ser necessária para maximizar a retenção de massa magra em indivíduos com experiência de treino de resistência durante períodos hipocalóricos.
4) A ingestão de quantidades de proteína mais elevadas (> 3 gr de proteína / kg de peso corporal / dia) quando combinada com exercícios de resistência pode ter efeitos positivos na composição corporal em indivíduos com experiência de treino de resistência (por exemplo: promover a perda de massa gorda).
Estas recomendações são baseadas numa revisão sistemática publicada em 2014 que concluiu existir evidência suficiente para justificar o aumento da ingestão diária de proteína em dietas em que exista uma redução calórica significativa ou caso os atletas apresentem uma baixa percentagem de gordura corporal (3).
Esta revisão levou em conta 6 estudos realizados com jovens adultos com experiência de treino que se encontravam numa dieta de restrição energética. Para além disso, estes indivíduos teriam de apresentar uma percentagem de gordura corporal inferior a 23% para homens e 35% para mulheres. Todos os estudos tiveram uma duração superior a 6 meses.
Os investigadores concluíram que as necessidades proteicas de atletas com experiência de treino que se encontrem em dietas com restrição calórica são de 2,3 a 3,1 gramas de proteína por quilo de massa magra (diferente de peso corporal), sendo mais elevadas quanto maior a severidade da restrição calórica e a percentagem de massa isenta de gordura. Portanto, a proteína parece exercer um efeito de “poupança” da massa magra (ou massa isenta de gordura).
Isto pode ser explicado pelo efeito saciante da proteína (4), que diminui a necessidade de consumir calorias de baixa qualidade (por exemplo, alimentos açucarados). Para além disso, a digestão da proteína tem o maior efeito térmico dos três macronutrientes. Aproximadamente 20 a 30% da energia consumida através da proteína é gasta na sua digestão e absorção (um fenómeno conhecido como o “efeito termogénico da proteína”). Por contraste, o efeito termogénico da gordura é de apenas cerca de 3% e o dos hidratos de carbonos entre 10 a 15% (5).
5) As doses ideais para os atletas maximizarem a síntese proteica muscular são variadas e dependem da idade e do estímulo gerado pelo treino de resistência. As recomendações gerais são de 0,25 a 0,55 gr de proteína de alta qualidade por quilo de peso corporal, ou uma dose absoluta de 20 a 40 gramas de proteína.
6) As doses agudas de proteína devem conter entre 0,7 a 3 gr de leucina e/ou um teor mais elevado de leucina, além de uma quantidade equilibrada de aminoácidos essenciais.
7) As doses de proteína devem ser idealmente distribuídas de forma uniforme a cada 3-4 horas ao longo do dia.
8) O período ideal para consumir proteínas é provavelmente uma questão de tolerância individual. No entanto, o efeito anabólico do exercício é duradouro (pelo menos 24 horas), mas provavelmente diminui com o aumento do tempo pós-exercício.
9) As proteínas de rápida absorção que contêm elevadas proporções de aminoácidos essenciais e de leucina são mais eficazes no estímulo da síntese proteica muscular.
10) Os diferentes tipos e qualidade das proteínas podem afetar a biodisponibilidade dos aminoácidos. Fontes completas de proteínas fornecem todos os aminoácidos essenciais necessários.
Em 2018, uma meta-análise e uma revisão sistemática publicada no British Journal of Sports Medicine também procurou determinar quais as doses diárias de proteína recomendadas numa perspectiva de ganhos de massa e força musculares (6).
Os critérios de eligibilidade foram os seguintes:
- Os estudos teriam de ter duração superior a 6 semanas;
- Os participantes teriam de treinar pelo menos duas vezes na semana;
- Pelo menos um dos grupos teria de consumir apenas um suplemento proteico sem adição de outros suplementos conhecidos por serem ergogénicos (creatina, HMB, etc);
- Apenas foram considerados estudos em seres humanos saudáveis e que não se encontravam em restrição energética.
Um total de 49 estudos envolvendo 1863 participantes foram considerados para esta meta-análise, que mostrou que a suplementação com proteína promoveu aumentos de força (através da medição da repetição máxima em diferentes exercícios), massa magra e volume muscular. Os investigadores também concluíram que um consumo diário de proteína superior a 1,6 gramas por quilo de peso corporal não promove ganhos de massa magra adicionais.
Outra conclusão interessante dos investigadores foi a de que fatores como a idade e a experiência de treino afetam a absorção da proteína. Com o avançar da idade, o nosso corpo consegue fazer um aproveitamente menor da proteína ingerida. Populações mais idosas necessitam de consumir uma quantidade de proteína mais elevada de forma a terem a mesma ativação da síntese proteica muscular em comparação com populações mais jovens, uma vez que o seu organismo é menos sensível à absorção da proteína (7).
Por outro lado, indivíduos com bastante experiência de treino conseguem absorver a proteína ingerida de forma mais eficaz.
Os estudos que testaram doses mais elevadas de proteína
Ao longo dos últimos anos, vários estudos compararam doses de proteína mais elevadas com as doses normalmente recomendadas pelas várias instituições de nutrição. Em 2012, num estudo que durou 8 semanas, investigadores demonstraram que os ganhos de massa isenta de gordura foram semelhantes nos grupos que consumiram 1,8 gr/kg/dia de proteína e os que consumiram 3 gr/kg/dia (8).
Em 2014, um grupo de investigadores dividiu 30 homens e mulheres com uma média de 9 anos de experiência de treino de musculação em dois grupos: um consumiu 4,4 gr de proteína por quilo de peso corporal por dia, o outro manteve os seus hábitos alimentares, que consistiu em 1,8 gr/kg. O estudo durou 8 semanas.
Comparado com o grupo de controlo, o grupo que consumiu uma quantidade elevada de proteína consumiu significativamente mais calorias (+ 800 kcal), levando a uma distribuição de macronutrientes que consistiu em 45% de proteína, 27% gordura e 30% de hidratos de carbono.
Os investigadores observaram que não houve diferenças significativas entre os grupos em nenhuma das variáveis de composição corporal (peso, massa gorda, massa isenta de gordura e percentagem de gordura corporal) (9).
Num estudo publicado em 2015, o mesmo grupo de investigadores voltou a avaliar o impacto de quantidades elevadas de proteína em indicadores de composição corporal (10). Desta vez, 48 homens e mulheres com experiência de treino consumiram ou 2,3 gr ou 3,4 gr de proteína por quilo de peso corporal diariamente durante 8 semanas.
Comparado com o grupo de controlo, o grupo que consumiu uma quantidade elevada de proteína consumiu mais 490 calorias, levando a uma distribuição de macronutrientes que consistiu em 39% de proteína, 27% gordura e 34% de hidratos de carbono.
Os investigadores reportaram que ambos os grupos aumentaram significativamente a massa isenta de gordura e reduziram significativamente a massa gordura, no entanto, a redução na massa gorda foi significativamente maior no grupo que consumiu 3,4 gr/kg de proteína diariamente (-3,3 kg vs -1,6 kg).
Finalmente, em 2016, o mesmo grupo de investigadores publicou um novo estudo realizado com 12 indivíduos com experiência de treino que consumiram ou 2,6 gr ou 3,3 gr de proteína por quilo de peso corporal diariamente em dois períodos diferentes de 8 semanas cada (11). Durante as 16 semanas de duração total do estudo, os indivíduos seguiram o seu plano de treino e condicionamento habitual.
A distribuição de macronutrientes do grupo que consumiu 3,3 gramas de proteína / kg por dia foi de 42% de proteína, 28% de gordura e 30% de hidratos de carbono. Os investigadores constataram que não houve diferenças entre os grupos a nível da composição corporal.
Vale a pena salientar que mesmo o grupo que consumiu 2,6 gramas de proteína/kg já se encontravam a consumir uma quantidade consideravelmente mais elevada do que aquela recomendada universalmente e, como tal, não é surpreendente que o estudo não tenha encontrado diferenças entre os grupos.
Ainda assim, os investigadores referiram que 9 dos 12 participantes registaram uma maior diminuição da massa gorda quando consumiram 3,3 gramas de proteína / kg por dia.
Necessidades proteicas para atletas de endurance
De acordo com uma revisão publicada em 2019 na Nutrients, que abordou as estratégias nutricionais mais adequadas para atletas de endurance, não existem benefícios em consumir doses diárias de proteína superiores às recomendadas (1,2 a 2 gr/kg/dia) (12). De acordo com este trabalho, as únicas alturas em que poderá ser benéfico aumentar temporariamente o consumo proteico acima das 2 gramas / kg de peso corporal é durante períodos estratégicos onde a intensidade do treino é aumentada.
Este trabalho cita outro estudo que demonstrou que consumir 3 gr/kg/dia não promoveu um aumento da performance desportiva em relação a consumir 1,5 gr/kg/dia, quando a quantidade de hidratos de carbono foi igual entre os grupos (13).