“Não comas tantos ovos que vais ficar com o colesterol muito alto“. Ou “Aos ovos que comes deves ter um colesterol lindo, deves“. Ou ainda “Quando fores mais velho é que vais sentir“. A chamada de atenção vem em várias formas e de vários remetentes.
A maioria das pessoas desconhece toda a investigação científica publicada em torno desta velha questão dos ovos e do colesterol. Inclusive alguns médicos parecem ter deixado de estudar quando saíram da universidade e continuam a recomendar não comer ovos por causa do aumento do colesterol.
A verdade é que esta crença é uma ideia errada que vem dos tempos dos nossos avós e, como se sabe, tudo o que está bem enraizado nas pessoas é difícil de desmistificar.
Colesterol dietético tem efeitos insignificantes no colesterol total
Em 2009, um estudo publicado no Nutrition Bulletin, da British Heart Foundation, analisou os resultados de vários estudos sobre ovos e nutrição, concluindo que os ovos não contribuem significativamente para o aumento dos níveis de colesterol do organismo [*1].
Embora os ovos sejam, de facto, um alimento rico em colesterol, os investigadores notaram que apenas um terço do colesterol total é proveniente de fontes dietéticas, o resto é produzido pelo corpo especialmente a partir das gorduras saturadas (voltaremos a este ponto mais para a frente).
Colesterol LDL (mau colesterol) vs. Colesterol HDL (bom colesterol)
O conhecimento popular reduz a questão do colesterol em colesterol mau, representado pelo LDL, e em colesterol bom, representado pelo HDL. Aquilo que se conta é que devemos ter menos colesterol LDL e mais HDL em circulação, já que o primeiro agarra-se às paredes das artérias, podendo entupi-las, e o segundo limpa as artérias. A questão não é assim tão linear.
LDL refere-se às lipoproteínas de baixa densidade (low-density lipoprotein, em inglês), enquanto que HDL refere-se às lipoproteínas de alta densidade (high-density lipoprotein). As lipoproteínas são uma reunião química de proteínas e gorduras responsáveis pelo transporte das gorduras na corrente sanguínea, uma vez que elas não se dissolvem na água.
LDL e HDL são as lipoproteínas responsáveis pelo transporte do colesterol. Não são o colesterol, apesar de toda a gente se referir a eles como o mau ou o bom colesterol.
Nem todo o LDL é necessariamente mau
É, de facto, verdade que o LDL é mau e pode ser prejudicial à saúde, mas só quando nos referimos às pequenas partículas de LDL. Só as partículas de LDL menores e mais densas é que podem efectivamente constituir um risco para a saúde, conforme demonstrou um estudo publicado em 1988 [*2].
Estas partículas de LDL estão também mais propensas à oxidação e, segundo mostrou um estudo de 2005, indivíduos com níveis elevados de LDL oxidado (oxLDL) quadriplicam o risco de vir a ter um ataque cardíaco em relação aos indivíduos com níveis mais baixos de oxLDL [*3].
Em contrapartida, as grandes partículas de LDL conseguem mover-se bem através do sistema circulatório, sem causar qualquer dano nas artérias.
Depois desta explicação, estamos em condições de mostrar algumas das conclusões de um estudo publicado em 2006 que avaliou esta questão dos ovos e do colesterol: Foi mostrado que a ingestão de ovos promove a formação de largas partículas de LDL, para além de favorecer um perfil de LDL menos propício à formação de placa nas artérias [*4]. Estes resultados foram corroborados por outro estudo publicado também em 2006 [*5].
Ainda não está convencido? Vamos então mostrar mais alguns estudos categóricos.
Vamos agora a exemplos mais práticos. Investigadores da Universidade de Connecticut pegaram em algumas pessoas e deram-lhes três ovos inteiros por dia, durante 12 semanas. O resultado foi a diminuição dos níveis das pequenas partículas de LDL. Esta foi a conclusão dos investigadores: Estes dados indicam que o consumo de uma dieta rica em colesterol não torna as partículas de LDL mais pequenas e densas [*6].
Prosseguindo, o estudo mais recente que se debruça sobre esta questão é de Março de 2013 e o protocolo utilizado foi igual ao do estudo anterior: indivíduos a consumirem 3 ovos inteiros por dia, durante 12 semanas. O resultado foi em tudo semelhante: redução dos triglicéridos, das partículas pequenas de LDL, do LDL oxidativo e aumento das grandes partículas de HDL e de LDL [*7]. Lá se vai o mito de que comer ovos diariamente faz muito mal ao colesterol.
De salientar que o consumo de hidratos de carbono dos indíviduos deste estudo andou entre os 25 e os 30%. Isto é um factor muito importante pois o que realmente aumenta o colesterol mau é o excesso de hidratos de carbono, que são acumulados sob a forma de gordura no corpo.
Lembra-se de termos referido lá em cima o estudo que concluiu que a gordura saturada é a responsável pelo aumento do colesterol total? Pois bem, essa abordagem é colocada em causa por outros estudos. Por exemplo, um estudo publicado em 2004 no Annals of Internal Medicine mostrou que uma dieta pobre em hidratos de carbono foi mais eficaz a melhorar o perfil lipídico do que uma dieta pobre em gorduras.
Esta foi a conclusão dos investigadores: “[…] os níveis de triglicerídeos no sangue diminuíram e os níveis de lipoproteína de alta intensidade aumentaram mais na dieta pobre em hidratos de carbono do que na dieta pobre em gorduras” [*8]. Outro estudo mostrou um resultado semelhante [*9].
A excepção da regra
A regra nós já abordamos: o consumo de ovos não é responsável pelo aumento das partículas pequenas e densas de LDL, responsáveis pela acumulação de placa nas artérias. Agora a excepção.
Existe um caso em que o consumo de ovos pode, efectivamente, ser prejudicial à saúde: em pacientes com risco de sofrerem doenças cardiovasculares [*10]. A conclusão, nestes casos, é clara: Pacientes com risco de doença cardiovascular devem limitar a sua ingestão de colesterol. Ou seja, o colesterol da gema do ovo só pode ser perigoso caso já sofras de algum problema cardiovascular.
Conclusão
Espero que esta exposição sirva para acabar, de uma vez por todas, com o mito de que o consumo diário de ovos é prejudicial à saúde. Muito pelo contrário, o ovo está repleto de vitaminas, minerais e aminoácidos essenciais. Além disso, o ovo possui luteína e zeaxantina, duas substâncias protetoras dos olhos.
Se estiverem interessados, podem ver o seguinte vídeo que fiz sobre este assunto:
Referências:
[*1] – Gray, J. and Griffin, B. (2009), Eggs and dietary cholesterol – dispelling the myth. Nutrition Bulletin, 34: 66–70. doi: 10.1111/j.1467-3010.2008.01735.x
[*2] Austin MA, Breslow JL, Hennekens CH, Buring JE, Willett WC, Krauss RM. Low-Density Lipoprotein Subclass Patterns and Risk of Myocardial Infarction. JAMA. 1988;260(13):1917-1921. doi:10.1001/jama.1988.03410130125037
[*3] Meisinger C, Baumert J, Khuseyinova N, Loewel H, Koenig W., Plasma oxidized low-density lipoprotein, a strong predictor for acute coronary heart disease events in apparently healthy, middle-aged men from the general population, Circulation. 2005 Aug 2;112(5):651-7. Epub 2005 Jul 25
[*4] Fernandez ML., Dietary cholesterol provided by eggs and plasma lipoproteins in healthy populations, Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2006 Jan;9(1):8-12
[*5] Christine M Greene, David Waters, Richard M Clark, John H Contois, and Maria Luz Fernandez, Plasma LDL and HDL characteristics and carotenoid content are positively influenced by egg consumption in an elderly population, Nutr Metab (Lond). 2006; 3: 6
[*6] Herron KL, Lofgren IE, Sharman M, Volek JS, Fernandez ML., High intake of cholesterol results in less atherogenic low-density lipoprotein particles in men and women independent of response classification, Metabolism. 2004 Jun;53(6):823-30
[*7] Blesso CN, Andersen CJ, Barona J, Volek JS, Fernandez ML., Whole egg consumption improves lipoprotein profiles and insulin sensitivity to a greater extent than yolk-free egg substitute in individuals with metabolic syndrome, Metabolism. 2013 Mar;62(3):400-10
[*8] Yancy WS Jr, Olsen MK, Guyton JR, Bakst RP, Westman EC., A low-carbohydrate, ketogenic diet versus a low-fat diet to treat obesity and hyperlipidemia: a randomized, controlled trial, Ann Intern Med. 2004 May 18;140(10):769-77
[*9] Shai, I et. al., Weight Loss with a Low-Carbohydrate, Mediterranean, or Low-Fat Diet, N Engl J Med 2008; 359:229-241July 17, 2008
[*10] J David Spence, David JA Jenkins and Jean Davignon, Dietary cholesterol and egg yolks: Not for patients at risk of vascular disease, Can J Cardiol. 2010 November; 26(9)
Autor: Ta Fitness
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