Na última década, a suplementação com nitratos recebeu muita atenção devido ao seus promissores efeitos na vasodilatação e na redução da degradação da fosfocreatina (a forma como a creatina se encontra armazenada nos músculos), o que pode potencialmente melhorar o desempenho desportivo.
Neste artigo explicamos o que são nitratos e nitritos, de que forma eles podem ajudar a melhorar o rendimento desportivo e qual a forma mais eficaz de os consumir através da alimentação e suplementação.
Neste vídeo abordo os pontos principais deste artigo:
O que são nitratos e nitritos?
Os nitratos e nitritos são compostos que ocorrem naturalmente no corpo humano e em alguns alimentos, como os vegetais de folha verde e algumas frutas. De facto, aproximadamente 80% dos nitratos consumidos através da dieta são derivados do consumo de vegetais de folha verde, incluindo aipo, agrião, alface, beterraba, espinafres e rúcula (1), (2).
A importância dos nitratos para o exercício físico
Uma das formas de o corpo produzir óxido nítrico é através da conversão de nitratos em óxido nítrico.
O óxido nítrico possui inúmeras funções fisiológicas. Talvez a mais conhecida entre desportistas seja a sua capacidade em relaxar os vasos sanguíneos permitindo a sua dilatação. Este efeito vasodilatador aumenta o fluxo sanguíneo para as fibras musculares, permitindo levar mais oxigénio e nutrientes até às mitocôndrias, onde as células vão gerar mais energia para dar resposta ao exercício físico.
Uma vez que o fluxo sanguíneo aumenta, isto também permitirá a remoção de subprodutos metabólicos responsáveis pela fadiga muscular que são gerados aquando da produção de energia, como o lactato e a amónia, permitindo assim uma recuperação muscular mais rápida.
Como o corpo converte nitratos em óxido nítrico
Cerca de 25% dos nitratos ingeridos através da alimentação é convertido em nitritos pela ação das nitrato reductases, enzimas produzidas por microorganismos presentes na boca (3). Quando estes nitritos entram em contacto com os ácidos dos estômago, eles são parcialmente convertidos em óxido nítrico, sendo posteriormente absorvidos no intestino.
Uma parte destes nitritos vão entrar na corrente sanguínea e, em condições de baixos níveis de oxigénio ou quando existe uma maior demanda por oxigénio, serão então convertidos em óxido nítrico.

Fontes de nitratos
Conforme já referimos, os vegetais de folha verde são uma fonte bastante rica em nitratos. No entanto, para consumir nitrato suficiente nas doses demonstradas de forma a melhorar o rendimento desportivo – 300 a 600 mg ou 0.1 mmol por quilo de peso corporal (4) – muitos atletas consomem sumo de beterraba ou sumo de romã, devido ao seu elevado teor de nitratos.
A nível de suplementação, as escolhas recaem sobre o nitrato de sódio e o nitrato de potássio. Existem também algumas formulações de pré-treino que contêm nitratos.
O que dizem os estudos científicos?
A boa notícia é que os nitratos têm sido bastante estudados ao longo da última década, existindo já várias revisões sistemáticas e meta-análises que olharam para os efeitos destes compostos na melhoria da performance desportiva em várias modalidades e tipos de atividade física.
Uma revisão publicada em 2014 (5) já identificava o potencial da suplementação com nitratos para a tolerância ao exercício físico através da redução do custo do exercício cardiovascular (ou seja, exercer o mesmo output físico com menor quantidade de oxigénio), do aumento do fluxo sanguíneo e também através da redução do custo da produção de ATP.
Entre 2016 e 2018 foram publicadas mais 7 revisões que versaram sobre o impacto da ingestão de nitratos no rendimento desportivo (6), (7), (8), (9), (10), (11), (12).
Uma meta-análise publicada em 2017 no Sports Medicine que considerou 47 estudos concluiu que é provável que a suplementação com nitratos promova um resultado positivo no aumento da endurance, enquanto que eles parecem ser menos eficazes no contexto de provas de contra-relógio (7).

Os efeitos da suplementação com nitratos no treino de endurance
No mesmo ano de 2017, uma revisão sistemática publicada na Nutrients olhou para 23 estudos que avaliaram especificamente os efeitos da ingestão de sumo de beterraba na resistência cardiovascular em atletas (8).
Dos 23 estudos, 11 deles foram realizados com indivíduos com experiência de treino, 4 triatletas, 3 ciclistas, 2 atletas de kayak, um maratonista, um atleta de natação e um com indivíduos fisicamente ativos. Estes estudos avaliaram o volume máximo de oxigénio (VO2max) em diferentes intensidades (entre 60 a 100% do VO2max). Este indicador mede a quantidade de oxigénio que um indivíduo consegue aproveitar durante a prática de exercício físico e, como tal, é indicador da capacidade cardiorrespiratória de um indivíduo.
Esta revisão sistemática observou que o sumo de beterraba parece melhorar o desempenho do exercício aeróbico a várias intensidades (60 a 100% do VO2max). Estas foram algumas das conclusões deste trabalho:
- A suplementação aguda com sumo de beterraba pode ter um efeito ergogénico na redução do VO2 em intensidades menores ou iguais ao VO2max, melhorando os mecanismos que possibilitam aumentar o tempo até à exaustão.
- Para além de melhorar a eficiência e o desempenho em várias provas de contra-relógio e aumentar o tempo até à exaustão em intensidades submáximas, a suplementação crónica com sumo de beterraba pode melhorar o desempenho cardiorrespiratório no limiar anaeróbico e em intensidades próximas do VO2max.
- A ingestão de sumo de beterraba deve ocorrer 90 minutos antes do exercício físico, uma vez que o pico de nitratos na corrente sanguínea ocorre dentro de 2 a 3 horas após a ingestão. É necessário pelo menos 6 a 8 mmol de nitratos (cerca de 500 ml de sumo de beterraba), quantidade que pode ser aumentada em atletas com uma elevada experiência de treino.
Os efeitos da suplementação com nitratos no treino intervalado de alta intensidade
Em 2018, foi publicada uma revisão que procurou avaliar os efeitos da suplementação com sumo de beterraba no HIIT (10). Esta revisão incluiu 9 estudos num total de 120 participantes, 107 dos quais homens e 13 mulheres.
Cinco dos estudos utilizaram um protocolo de consumo único de sumo de beterraba enquanto que nos outros 4 foi utilizado um consumo contínuo por 5, 6 e 7 dias. Quatro dos estudos foram realizados com atletas de competição e os restantes 5 com atletas amadores ou indivíduos que praticavam desporto de forma recreativa.
A ingestão de sumo de beterraba melhorou significativamente o desempenho desportivo em 4 estudos enquanto que nos outros 5 não foram encontrados benefícios, sendo que num deles foi observada uma redução do desempenho desportivo em comparação com o grupo do placebo. Estas foram as conclusões dos investigadores:
- Foi demonstrado que a suplementação com sumo de beterraba diminui a fadiga muscular associada aos exercícios de alta intensidade, embora não se saiba se isso se deve à redução da fadiga e dos danos musculares ou se através da aceleração da regeneração muscular após o exercício.
- Em treinos que podem esgotar consideravelmente as reservas de fosfocreatina (séries de musculação ou sprints repetidos de cerca de 15 segundos intercalados com períodos de descanso curtos) e considerando que a ressíntese de fosfocreatina requer um metabolismo oxidativo, o sumo de beterraba pode ajudar na ressíntese das reservas de fosfocreatina e, portanto, evitar o seu esgotamento durante esforços repetidos. Paralelamente, a suplementação também limitaria a acumulação de metabólitos como o ADP e fosfatos inorgânicos, conhecidos por promover a fadiga muscular.
- Foi demonstrado que o sumo de beterraba melhora a libertação e a recaptação de cálcio no retículo sarcoplasmático. (O que isto significa é que o aumento da oferta de cálcio para as fibras musculares aumentará a força da contração muscular).
Uma revisão sistemática publicada em 2017 concluiu existir evidências convincentes de que a suplementação com nitratos melhora o desempenho fisiológico (tempo até atingir a fadiga muscular) em adultos com mais de 50 anos de idade (9).
Uma meta-análise de 2018 que olhou para 44 estudos concluiu que a suplementação com nitratos parece ter um efeito mais modesto em atletas que já tenham bastante experiência de treino, sendo mais eficaz em indivíduos que apenas treinam de forma recreativa (11). Na conclusão do estudo pode ler-se:
“Depois de classificar objetivamente os participantes de acordo com os seus diferentes níveis de desempenho, a frequência de ensaios clínicos que mostram efeitos ergogénicos em indivíduos classificados nos níveis mais baixos foi maior do que nos indivíduos classificados em níveis mais altos.“

Os efeitos dos nitratos na musculação
Ainda existe muito pouca investigação científica sobre os efeitos dos nitratos especificamente no treino de musculação. O único estudo que avaliou os efeitos da suplementação com nitratos em exercícios de musculação foi publicado em 2016 no Journal of Strength & Conditioning Research (13).
Neste estudo, 12 homens com experiência de treino consumiram uma de três opções: bebida contendo 6,4 mmol de nitratos, 400 mg de nitrato de sódio ou uma bebida placebo. Todos os participantes completaram 3 séries de supino com barra até à falha com 60% da repetição máxima.
Os investigadores observaram que aqueles que consumiram as soluções contendo nitratos conseguiram completar mais repetições e com cargas mais elevadas do que os que consumiram o placebo.
Suplementação com nitratos é segura?
As doses de nitratos normalmente através da suplementação são consideradas seguras. Um estudo publicado em 2014 não verificou efeitos adversos do consumo diário de 1 ou 2 gramas de creatina nitrato durante um período de 28 dias (14). Segundo outro estudo publicado em 2016, doses de 3 gramas de creatina nitrato durante 28 dias também não alteraram os marcadores hepáticos ou de saúde cardiovascular de forma negativa (15).
Conclusão
Conforme pudemos ver, os nitratos têm recebido bastante atenção por parte da comunidade científica e, até à data, já existe um corpo de trabalhos científicos relativamente sólido. No entanto, apesar de alguns resultados promissores, é importante salientar que nem todos os trabalhos encontraram resultados positivos (16), (17), (18), (19).
Devido a isto, os nitratos aparecem na categoria II da Sociedade Internacional de Nutrição Desportiva, que engloba os suplementos que, segundo a instituição, possuem evidência científica limitada ou com resultados contraditórios (20).