Janela Anabólica: separando os mitos da realidade

Nos últimos anos, a nutrição desportiva tornou-se uma parte imperativa dos regimes de treino não só da população atlética como também da população geral. É comum em pessoas de todas as idades, modalidades e níveis competitivos a adopção de algumas estratégias de nutrição após o exercício com vista a melhorar o desempenho e acelerar os processos de recuperação do corpo.

Os macronutrientes mais importantes no período pós-exercício são as proteínas e os hidratos de carbono. Estes nutrientes têm funções distintas, mas ambos contribuem para promover a recuperação quando ingeridos após a conclusão de uma sessão de treino.

A condição para ganhar massa muscular é que o teu corpo tenha um balanço proteico positivo, isto é, que o teu corpo construa mais proteínas do que aquelas que quebra nos vários processos metabólicos. Dezenas de estudos publicados ao longo dos últimos 30 anos demonstraram que o consumo de um batido proteico após o treino favorece um balanço proteico positivo, permitindo estimular o processo de síntese proteica.

O aparecimento da “janela anabólica”

A ideia de que existe um período restricto após o treino para o organismo conseguir fazer um melhor aproveitamento dos nutrientes ingeridos foi popularizada pelos investigadores John Ivy e Robert Portman num livro publicado em 2004 chamado “Nutrient Timing“. A literatura científica citada pelos investigadores sugeria que a melhor estratégia nutricional com vista a promover o crescimento muscular era consumir um batido proteico no espaço temporal de até uma hora após o fim do treino.

O primeiro estudo que olhou para esta questão do timing ideal para a suplementação pós-treino parece ter sido publicado em 1997 (1). Neste estudo, os investigadores mediram a taxa de síntese e degradação de proteínas em cães, após o exercício numa passadeira. Alguns cães receberam uma infusão de aminoácidos e glicose imediatamente após o treino enquanto que outros receberam a mesma infusão 2 horas após o término do treino.

Foi observado que os cães que receberam os aminoácidos imediatamente após o treino registaram uma maior assimilação de aminoácidos assim como uma maior síntese proteica em relação aos cães a quem os aminoácidos foram dados duas horas mais tarde.

Mais tarde, em 2001, um novo ensaio clínico desta vez feita em humanos chegou a conclusões semelhantes (2). Os investigadores estudaram os efeitos do consumo de um suplemento à base de proteínas e hidratos de carbono imediatamente após o treino e 3 horas após o treino. O treino consistiu em pedalar 60 minutos na bicicleta a uma intensidade moderada.

Foi observado que, apesar da quebra de proteínas não ter sido diferente entre os grupos, o grupo que consumiu o batido logo após a sessão de treino registou uma maior síntese proteica nos músculos das pernas. De facto, não houve aumento na síntese proteica quando o suplemento foi consumido 3 horas após o treino. Também foi interessante notar que, quando a suplementação ocorreu imediatamente após o exercício, houve uma maior oxidação da gordura.

Estes resultados levaram os investigadores a concluir que a ingestão de um suplemento à base de proteínas e hidratos de carbono logo após o treino é mais eficaz a promover o aumento da síntese proteica muscular e uma melhor reposição do glicogénio muscular.

Uma limitação apontada a este estudo é de que o treino envolveu exercícios aeróbicos de longa duração a uma intensidade moderada. Como tal, o aumento da taxa de síntese proteica provavelmente ocorreu em proteínas responsáveis por promover o aumento da resistência (hipertrofia sarcoplasmática) e não tanto em proteínas que promovem a hipertrofia muscular.

Quão longa é esta janela anabólica realmente?

Os estudos científicos publicados a este respeito desde o ano 2000 têm relevado resultados contraditórios (3), (4), (5), (6), o que levou um grupo de investigadores a publicar uma meta-análise em 2013 de forma a entender melhor o fenómeno da janela anabólica (7). Esta meta-análise levou em conta estudos que avaliaram os efeitos da suplementação com pelo menos 6 gramas de aminoácidos essenciais tanto em parâmetros de força como de hipertrofia.

A análise relativamente aos parâmetros de força considerou 478 participantes num total de 20 estudos. Em relação aos parâmetros de hipertrofia, foram considerados 525 participantes num total de 23 estudos.

Para serem elegíveis para esta meta-análise, os participantes de um dos grupos teriam de ter consumido um suplemento proteico até uma hora antes ou após o fim da sessão de treino enquanto que os participantes do outro grupo não poderiam ter consumido o batido num intervalo de duas horas logo após o treino. Os estudos teriam também de ter uma duração mínima de seis meses.

A conclusão dos investigadores foi de que o factor mais preponderante para promover a hipertrofia muscular foi a quantidade total de proteína ingerida pelos participantes, independentemente de quando os batidos proteicos foram consumidos. Segundos esta meta-análise, ingerir o batido logo após o treino não oferece nenhuma vantagem específica em relação a consumir o batido algumas horas após o treino.

Os investigadores afirmaram que “estes resultados refutam a crença antiga de que o tempo de ingestão de proteína à volta de uma sessão de treino é crucial para favorecer adaptações musculares“. O mais importante parece mesmo ser consumir as quantidades adequadas de proteína que permitam ao corpo reparar as fibras musculares danificadas pelo treino de resistência.

Conclusão

De acordo com a literatura científica, a ideia de que o batido proteico pós-treino tem de ser consumido até uma hora após o final da atividade física não parece ter validade científica. Esta hipótese parece estar largamente baseada na suposição de que a refeição pré-treino aconteceu há várias horas e de que o exercício físico é efetuado em estado de jejum.

Em situações em que o balanço proteico do corpo for negativo durante a prática da atividade física, fruto da última refeição ter sido consumida várias horas antes da mesma, faz todo sentido consumir proteína imediatamente após o treino de forma a inverter esse estado.

No entanto, caso a última refeição antes do treino tenha sido consumida 1 a 2 horas antes do mesmo com as devidas proporções de macronutrientes, o timing do consumo do batido pós-treino deixa de ter tanta importância e esta “janelinha de oportunidade” passa mais a “portão de oportunidade”.

Conforme referido nas conclusões da meta-análise, o factor determinante para estimular a recuperação muscular é consumir fontes proteicas de elevado valor biológico de modo a atingir a quantidade diária de proteína necessária.

Neste vídeo exploro esta questão da janela anabólica:

Autor: Ta Fitness

O Tá Fitness nasceu em 2012. É um portal dedicado ao exercício físico, à alimentação e ao bem-estar.

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