A suplementação é uma estratégia comum usada por atletas e indivíduos que praticam musculação de forma recreativa com vista à melhoria do desempenho físico e à aceleração da recuperação muscular.
Nos últimos anos, a citrulina malato emergiu como um dos suplementos que prometem melhorar a performance desportiva e atrasar a fadiga muscular. Já é comum as últimas fórmulas de pré-treino do mercado incluírem uma dose razoável de citrulina malato. Neste artigo explicamos o que é a citrulina malato, quais as suas funções no organismo e o que a evidência científica diz a respeito deste suplemento.
Podes também assistir aos vídeos que eu gravei sobre a citrulina malato:
O que é a citrulina malato?
A citrulina malato é uma combinação de citrulina e de malato.
A citrulina é um aminoácido não essencial bastante abundante na melancia. No corpo, ele pode ser produzido a partir de dois processos metabólicos: 1) a citrulina pode ser sintetizada no trato intestinal a partir do aminoácido glutamina, 2) ou pode ser sintetizada aquando da conversão de arginina em óxido nítrico na presença das enzimas de óxido nítrico sintase (1).
O malato é um intermediário do ciclo do ácido cítrico (que explicaremos mais à frente no artigo) e é especialmente abundante em maças e uvas. Os efeitos ergogénicos da citrulina malato são normalmente atribuídos à combinação sinérgica destes dois compostos.
Para que serve a citrulina malato?
A citrulina malato ganhou especial atenção quando os primeiros estudos realizados descobriram que ela tem a capacidade de aumentar a produção de ATP (a energia que as células musculares utilizam) assim como acelerar a ressíntese de fosfocreatina após a atividade física (2). Os potenciais efeitos ergogénicos da citrulina malato são normalmente atribuídos a três mecanismos principais.
A citrulina é precursora do óxido nítrico, ou seja, o organismo utiliza citrulina de modo a produzir óxido nítrico. Este gás tem a função de dilatar os vasos sanguíneos, permitindo desta forma melhorar a circulação e potenciar a distribuição de nutrientes e oxigénio às fibras musculares (3, 4), que poderão então produzir energia de forma mais eficiente para responder à demanda do exercício físico.
Foi demonstrado que a ingestão oral de citrulina malato aumenta os níveis sanguíneos de L-arginina (5, 6, 7), em repouso e durante o exercício em seres humanos. Dado que a L-arginina é o principal substrato para a síntese de óxido nítrico, pensa-se que a suplementação com citrulina malato pode aumentar indiretamente a sua síntese, o que conduzirá a uma melhor performance desportiva.
A citrulina é também uma componente essencial do ciclo da ureia no fígado (8). O ciclo da ureia é o processo no qual o organismo converte amónia, um resíduo tóxico que está associado à fadiga muscular e que é gerado em grandes quantidades durante a prática de exercício físico, em ureia, um resíduo menos tóxico que será posteriormente eliminado através da urina. Dado a ureia ser o principal veículo para a remoção de amónia, pensa-se que a citrulina malato pode ter um papel relevante no atraso da fadiga muscular e na recuperação muscular.
Por sua vez, o malato é um intermediário do ciclo do ácido cítrico (também chamado de ciclo de Krebs), um processo onde o organismo gera ATP (a energia utilizada pelas células), o que, na teoria, resultaria em menor fadiga muscular acumulada e um melhor desempenho muscular.
Resumindo, os benefícios normalmente atribuídos à citrulina malato são o aumento da produção de energia para os exercícios aeróbicos e anaeróbicos através do aumento da produção de ATP e da melhoria da entrega de oxigénio às células musculares, e através do auxílio na eliminação de amónia e lactato de forma a acelerar a recuperação muscular.
O que dizem os estudos científicos?
A boa notícia é que a citrulina malato é um suplemento que tem sido bastante estudado nos últimos 20 anos, contando com mais de 15 estudos realizados em diferentes contextos de treino e em diferentes populações. A notícia menos boa é que os resultados têm sido conflituosos, com alguns estudos realmente a confirmarem todos os benefícios geralmente atribuídos a este suplemento, enquanto outros falharam em encontrar algum efeito ergogénico derivado da suplementação com citrulina malato.
Esta incerteza encontrada nos vários estudos levou a que a posição oficial da Sociedade International para a Nutrição Desportiva seja a de que a citrulina malato possui evidência limitada ou contraditória para permitir apoiar a eficácia deste suplemento (9).
Citrulina malato em exercícios aeróbicos
Em 2006, um estudo descobriu que o consumo de apenas 3 gramas de citrulina 3 horas antes do exercício físico foi suficiente para que os participantes demorassem, em média, menos 7 segundos para completar um teste de esforço na passadeira até à exaustão (10).
Em 2015, um estudo (11) demonstrou que o consumo de 6 gramas diárias de citrulina durante 7 dias melhorou significativamente o aproveitamento de oxigénio e, consequentemente, o desempenho do exercício, que consistiu em pedalar na bicicleta ergométrica a intensidades moderadas e intensas.
Um estudo publicado em 2016 (12) mostrou que a suplementação diária com 2,4 gr de L-citrulina durante 7 dias aumentou os níveis sanguíneos de leucina e de nitratos e nitritos (metabólitos formados aquando da oxidação do óxido nítrico), o que permitiu reduzir o tempo necessário para completar 4 km a pedalar na bicicleta. Já em 2019, um trabalho científico demonstrou que o consumo diário de 1,2 gramas de citrulina combinado com 1,2 gramas de arginina durante 7 dias melhorou a performance de 10 minutos a pedalar na bicicleta em praticantes de futebol (13).
Mas nem todos os estudos apresentaram resultados positivos. Em 2010, num estudo publicado no European Journal of Applied Physiology, a suplementação com 6 gramas de citrulina malato 2 horas antes do exercício não teve influência no tempo total para percorrer 137 km numa bicicleta ergométrica (14). Já um estudo publicado em 2016 mostrou que o consumo de 12 gr de citrulina malato não melhorou o desempenho de uma sessão de treino de alta intensidade que consistiu em completar uma série de sprints na bicicleta ergométrica (15).
O estudo mais recente foi publicado em 2019 (16) e testou a ingestão de 8 gramas de citrulina malato no rendimento desportivo num treino de alta intensidade que consistiu em séries de agachamentos normais, afundos com salto, agachamentos com salto e saltos laterais. Nenhum dos marcadores de fadiga e potência musculares foram significativamente diferentes entre os grupos, o que levou os investigadores a concluir que a citrulina malato não foi eficaz em melhorar a performance desportiva ou a aliviar a fadiga muscular após o treino.
Citrulina malato na musculação
Relativamente ao treino de resistência, a situação é semelhante. Existem vários estudos que encontraram um efeito positivo na suplementação com citrulina malato no rendimento desportivo como estudos que não encontraram qualquer efeito positivo.
Em 2002, um estudo havia demonstrado que a suplementação com 6 gramas de citrulina malato durante 15 dias foi eficaz a aumentar a produção de ATP em 34% durante o exercício físico, assim como a acelerar a ressíntese de fosfocreatina muscular em 20% (17). Um estudo publicado em 2010 (18) descobriu que o consumo de 8 gramas de citrulina malato permitiu aumentar o número de repetições executadas no treino de peitoral. Para além disso, os indivíduos que consumiram o suplemento registaram 40% menos dores musculares nas 24 e 48 horas após o treino em relação ao grupo do placebo.
Um estudo publicado em 2015 no Journal of Strength & Conditioning Research (19) avaliou o efeito da suplementação com 8 gramas de citrulina em cinco séries de exercícios de musculação que consistiam na prensa de pernas, agachamento hack e na extensão de pernas. Os indivíduos que consumiram citrulina malato antes do treino conseguiram completar um maior número de repetições nos 2 exercícios comparado com o grupo do placebo. No entanto, os níveis sanguíneos de lactato não foram diferentes entre os grupos, o que sugere que não é através da remoção de lactacto que este suplemento oferece benefícios.
Num outro estudo publicado em 2016 no European Journal of Sports Science, o consumo de 8 gramas de citrulina malato melhorou indicadores de força e potência em tenistas femininas da categoria de masters (20). Outro estudo publicado em 2016 no Journal of Dietary Supplements (21) relatou que os participantes que consumiram 8 gramas de citrulina malato conseguiram completar mais repetições dos exercícios de elevações e flexões em relação ao grupo do placebo.
Um outro estudo publicado em 2017 (22) avaliou os efeitos da suplementação com 8 gramas de citrulina malato em 6 séries de supino e prensa de pernas até à falha em mulheres com experiência de treino. Neste estudo, as mulheres que consumiram a citrulina malato também conseguiram completar um maior número de repetições em relação ao grupo do placebo.
Um estudo publicado em 2016 (23) mostrou que uma dose de 6 gr de L-citrulina juntamente com 710 ml de sumo de melancia (que continha 1 grama de citrulina) não afetou marcadores aeróbicos e anaeróbicos como o tempo até à exaustão, VO2 máx e o número de repetições completadas.
Mais recentemente, em 2018, um estudo publicado no Journal of the International Society of Sports Nutrition (24) relatou que o consumo de 8 gramas de citrulina malato não foi mais eficaz que o grupo do placebo em aumentar o número de repetições completadas no protocolo de treino conhecido como treino de volume alemão, que consiste em completar 10 séries do mesmo exercício. Para além disso, também não houve diferenças a nível das concentrações sanguíneas de lactato entre os indivíduos de ambos os grupos.
Este estudo corroborou um outro estudo publicado em 2017 na Nutrients (25), que demonstrou que o consumo de 6 gramas de citrulina malato não produziu quais efeitos positivos em marcadores de fadiga muscular ou de performance desportiva após o treino de resistência.
As tabelas que se seguem resumem os estudos referidos neste artigo, bem como as doses consumidas e os benefícios (ou falta deles) encontradas nos mesmos.
Devido a estes resultados contraditórios, mesmo quando doses semelhantes são utilizadas, torna-se difícil afirmar de forma cabal que a citrulina malato pode auxiliar o rendimento desportivo em treinos aeróbicos ou anaeróbicos. Talvez ela ofereça benefícios na performance desportiva, no entanto, as condições em concreto em que ela funciona ainda estão por determinar.
Como tomar Citrulina Malato?
Existe uma particularidade em relação à forma como a citrulina consumida de forma exógena é tratada no organismo. À excepção da arginina consumida de forma oral, a citrulina não é metabolizada no intestino delgado nem no fígado (26, 27) e não sofre a ação de enzimas conhecidas como arginases, responsáveis por quebrar arginina em ornitina e ureia. Ao invés disso, ela é transportada para os rins onde aproximadamente 80% da citrulina é então convertida em arginina e colocada a circular na corrente sanguínea.
De facto, os estudos têm demonstrado que a suplementação com citrulina é mais eficaz a aumentar os níveis sanguíneos de arginina do que consumir arginina diretamente (28, 29). Também se sabe que suplementar com citrulina e arginina simultaneamente é uma estratégia mais eficaz para aumentar as concentrações sanguíneas de arginina e, por conseguinte, aumentar também a produção de óxido nítrico, do que suplementar com cada um dos aminoácidos de forma isolada (30).
Quando consumidos de forma combinada, pensa-se que a citrulina tenha um efeito inibidor da enzima arginase, que conforme referimos é responsável pelo catabolismo da arginina diminuindo, assim, a sua biodisponibilidade (31, 32).
Nos vários estudos realizados, foi observado que o pico de arginina na corrente sanguínea dá-se cerca de 1 hora após o consumo de citrulina malato. Como tal, é recomendado consumir este suplemento cerca de 1 hora antes da atividade física. A nível de dose, a maioria dos estudos realizados em atividades anaeróbicas, como a musculação, utilizaram 8 gramas. Já as quantidades utilizadas nos estudos que demonstraram benefícios em atividades aeróbicas as doses administradas foram variadas, indo desde as 1,2 gr de citrulina até às 6 gramas.